domingo, 22 de novembro de 2015

OUTRA INFLUÊNCIA NA CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO: A CURVA DE KUZNETS


Vou primeiro apresentar a Curva de Kuznets e a sua modificação para a área ambiental para depois discutir a sua influência na conferência até os dias de hoje.
A partir dela podemos entender melhor o conflito entre desenvolvimentistas e conservacionistas, sempre presente nas discussões e decisões políticas.


A CURVA DE KUZNETS

FONTE: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0124-59962014000200006

















Simon kuznets (1901-1985) nasceu na Russia e emigrou para os Estados Unidos aos 21 anos. Recebeu o Premio Nobel de Economia em 1971 (um ano antes da Conferência de Estocolmo), ao relacionar a desigualdade de renda e o crescimento do produto (PNB). O artigo famoso e premiado foi publicado em 1955 e é "Economic growth and income inequality", publicado no American Economic Review. V. 45, p.1-28, 1955. Você pode acessar o artigo no site: https://www.aeaweb.org/aer/top20/45.1.1-28.pdf

O Objetivo do seu artigo é verificar o caráter e as causas de longo prazo nas mudanças da distribuição pessoal da renda. Elabora perguntas como: Será que a desigualdade na distribuição de renda aumenta ou diminui no decurso do crescimento econômico de um país? Quais fatores determinam o nível e tendências de desigualdade de renda secular?

"The central theme of this paper is the character and causes of long term changes in the personal distribution of income. Does inequality in the distribution of income increase or decrease in the course of a country's economic growth? What factors determine the secular level and trends of income inequalities?" (KUZNETS, 1955, p.1)

Ele comenta a dificuldade de acesso aos dados (naquela época não era sistematizado como hoje e nem tão fácil de conseguir) assim como as idéias arraigadas na sociedade. Para superar, ele utiliza as características da distribuição de renda. Metodologicamente,  faz cinco tratamentos: a) usa a despesa familiar per capita daqueles que declaram as despesas. b) a distribuição de renda abrange todas as unidades em um país, em vez de um segmento; c) onde é possível, separou-se os que estão estudando e os que estão aposentados, para evitar complicar a análise e incluiu todos os rendimentos (mesmo os eventuais) ; d) a renda considerada é a renda nacional, isto é, recebidos por pessoas singulares, incluindo os rendimentos em espécie, antes e depois de impostos diretos, excluindo os ganhos de capital. Por último, as unidades são agrupadas por níveis de renda seculares, livres de distúrbios cíclicos e outros.

No decorrer do artigo, considera a economia com dois setores: o urbano e o agrícola. Além disso, pressupõe que a renda per capita média da população rural é menor do que a da população urbana e que o percentual da renda do setor rural sobre a renda total diminui ao longo dos anos.

O estudo abrange 25 anos. Ele centra seu estudo em países desenvolvidos, que cresceram sob a égide das industrias (p.3). Os dados coletados são da Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra e o período abrangente é de antes da I Guerra Mundial até os anos 1920.
Ele, portanto, estuda o efeito da variação da renda (crescimento) - decorrente de mudanças estruturais da economia -  sobre a distribuição da renda. Mais, a análise ocorre com os diferenciais de renda decorrente da diferença dos produtos marginais do trabalho entre o setor agrícola e o rural (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20032006000300008&script=sci_arttext)

Ele considerou que, nos estratos de renda estudados,  as pessoas podem mudar de estrato (melhorar ou piorar sua renda), contudo só se pode afirmar que se pertence a um estrato de renda inferior ou superior se se permanece o tempo todo (20 anos) no mesmo lugar. Para os que mudaram de estrato, tal classificação não tem sentido.

Ele alerta ainda que examina e avalia criticamente os dados que estão disponíveis e que estes dados impedem de tirar conclusões precipitadas, ou seja, com base nestes dados insuficientes; reduz a perda e desperdício de tempo envolvido em manipulações mecânicas do tipo representado pela curva de Pareto ...

Além da crítica, ele somente considera os dados quantitativos, pois, afirma: "e mais importante de tudo é que nos impulsiona em direção a uma construção deliberada de pontes testáveis entre os dados disponíveis e a estrutura de renda, que é o verdadeiro foco do nosso interesse" (p.3).  Suas observações tem como pano de fundo a profunda convicção de que a teoria precisa ser valorizada pelos dados empíricos e deve ser considerada as limitações em sua aplicação (visão encontrada no livro Crescimento e estruturas econômicas)

Vejam bem, é todo  um trabalho empírico com dados quantitativos e análises metodológicas desenvolvidas para tal (discutido ao longo de todo artigo), que coletou com todas as dificuldades da época,  que embasam as suas conclusões. Com isso, ele desenvolveu uma metodologia que serviu para medir a renda nacional e desenvolveu um aparato conceitual que interpretou as magnitudes econômicas encontradas.
Ele conclui que a estrutura de renda secular é mais desigual em países subdesenvolvidos do que nas  economias avançadas, particularmente, nos da Norte da Europa e Europa Ocidental..., como segue:

"In the absence of evidence to the contrary, I assume that it is true: that the secular income structure is somewhat more unequal in underdeveloped countries than in the more advanced-particularly in those of Western and Northern Europe and their economically developed descendants in the New World (the United States, Canada, Australia, and New Zealand)" (KUZNETS, 1955, p.23).

Simplificando bastante o seu complexo artigo, ele analisa que, em um dado momento inicial, em uma economia agrícola (menos dinâmica, tradicional e de baixo retorno de investimentos), ocorre um processo acelerado de migração de mão-de-obra para setor mais dinâmico, de alto retorno. O setor urbano possui, portanto, uma renda média mais alta, apesar de ser mais concentrada. Nessa fase, ocorre crescente desigualdade de renda entre os indivíduos. Com o tempo e o crescimento do produto nacional, ou seja, após a economia atingir um patamar, considerando as mudanças tecnológicas, ocorre relativa homogeneização na produtividade da mão-de-obra e, consequente, redução da desigualdade de renda. Consequentemente, nos estágios iniciais a relação entre desigualdade e crescimento da renda (e do produto) é positiva, ou seja, ao crescer o produto aumenta a desigualdade. A partir de um ponto crítico, a relação se torna negativa, quer dizer, ao aumentar o produto diminui a desigualdade de renda.

Segundo Linhares et al (2012), "Na época em que a teoria foi divulgada, esse aumento presente da desigualdade e a promessa de sua redução futura causaram muita apreensão entre os governantes, principalmente por passar a ideia de que os mais pobres tendem a perder no curto prazo com o desenvolvimento" (vide o artigo em  http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/1330/1123)

Pasmem, nesse artigo não tem a figura de uma curva em U invertido, apesar de, quase todos artigos que lemos ela está lá. Essa curva só aparece com estudos realizados, posteriormente, nos anos 1960.

Mas tem conclusões importante e que são consensuais nos trabalhos que baseiam em Kuznets:
a) a relação entre a renda per capita e a desigualdade muda ao longo do tempo. No período inicial, agrícola, há maior desigualdade de renda (rural-urbano) do que em estágios mais modernos, industriais.
b) há um ponto de inflexão e este é dado pela mudança estrutural (industrialização e urbanização).
c) a partir desse ponto, o produto começa a crescer e a desigualdade de renda diminui.
d) é um estudo de tendências, o que significa ignorar distúrbios transitórios

É um modelo determinista, ou seja, se nada for modificado (ceteris paribus) a tendência sempre será a descrita (dai mais um estudo importante para fortalecer a visão desenvolvimentista industrial).



A preocupação e convicção de muitos dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos era de que com o crescimento econômico,  a desigualdade de renda e a pobreza eram aspectos inerentes ao modelo e que a industrialização resolveria essas questões. Além disso, a preocupação ambiental era parte integrante das preocupações dos países desenvolvidos.
Lembram do Delfim Neto que disse: é preciso crescer o bolo para depois distribuir/dividir. É com base nessa visão.

O que é importante é que existem muitas controvérsias sobre a existência ou não da referida curva de Kuznets.

Além disso, vejam bem, não era um estudo sobre o meio ambiente, mas ela é largamente utilizada e conhecida como a Curva Ambiental de Kuznets.

Os estudos da relação entre crescimento econômico (PIB) e o meio ambiente surge no final da década de 1960 e início de 1970. Conforme Arraes, Diniz e Diniz (2006, p.1), houve vários estudos, tais como: Mishan (1969), Solow (1972), Commoner (1972), Forster (1973), Gruver (1976), DArge (1971), Heal e Dasgupta (1975), Stiglitz (1975), Smith (1976), Anderson (1972), Kamien Schwartz (vide detalhes sobre os assuntos abordados em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20032006000300008&script=sci_arttext)

Na década de 1990, consolida-se a relação entre a poluição e a renda per capita e a Curva ambiental de Kuznets.

As conclusões são semelhantes, dai a conhecida Curva Ambiental de Kuznets: no início, aumenta a renda per capita, aumenta o nível de poluição (vejam o exemplo da China, no início de seu crescimento espetacular), essa degradação vai até certo ponto onde ocorre o ponto de inflexão, depois diminui. Como conclusão, a poluição, no início é vista como inevitável. Contudo, com o aumento do bem-estar econômico, aumenta a sensibilidade com as questões ambientais e a Disposição a Pagar para diminui-la ou eliminá-la

A ideia é que nos primeiros estágios de industrialização é inerente o crescimento do nível de poluição dado que a comunidades são pobres e não tem condições de pagar os custos de produção limpa assim como a legislação ambiental é fraca. Conforme a renda per capita cresce, os setores industriais se tornam mais preocupados com a poluição e as pessoas passam a valorizar a qualidade ambiental e as regulação se torna mais efetiva (DASGUPTA et al, 2002).

Grossman e Krueger (1995) demonstraram o relacionamento de U-invertido entre os poluentes SO2 e fumaça (partículas escuras suspensas no ar) e a renda per capita. Shafik e Bandyopadhyay (1992) testaram o impacto do crescimento econômico sobre o meio ambiente para o período de 1960 a 1990, em 149 países utilizando dez indicadores da qualidade ambiental e testaram o relacionamento entre a renda (definida pela paridade de poder de compra) e cada indicador ambiental e demonstraram que a renda tem efeito significante e consistente sobre a qualidade ambiental, ainda que não todos no formato da Curva de Kuznets Ambiental. Além disso, nestes primeiros estágios de desenvolvimento econômico, são escassas as tecnologias disponíveis que levam em consideração o meio ambiente. Isto é, o crescimento econômico acelera com a intensificação da agricultura e extração de recursos naturais, de forma que a taxa de depleção dos recursos torna-se maior que a taxa de regeneração, implicando em degradação ambiental. Já à medida que atingem-se níveis mais altos de desenvolvimento econômico, há um declínio gradual da degradação ambiental. Arrow et al. (1995) argumentam que esse pode ser um processo natural do desenvolvimento econômico, de uma economia agrária para uma economia industrial poluidora e, por fim, para uma economia de serviços limpa. Logo, para os autores, a hipótese da CKA representaria o relacionamento entre crescimento e degradação ambiental no longo prazo (vide o artigo em http://www.aba-agroecologia.org.br/revistas/index.php/rbagroecologia/article/viewFile/13302/9972)

Um texto muito citado pelos estudiosos é o de Theodore Panayotou ( janeiro de 1993). Voce pode encontra-lo em http://staging.ilo.org/public/libdoc/ilo/1993/93B09_31_engl.pdf

É um texto de trabalho (working paper), com o nome de Empirical Tests and Policy Analysis of Environmental Degradation at Different Stages of Economic Development  (Testes empíricos e analises politica da degradação ambiental em diferentes estágios de desenvolvimento econômico). O autor apresenta um texto semelhante no Seminário da Primavera da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, em Genebra, em março de 2003, denominado  Economic growth and the environment (Crescimento Econômico e meio ambiente), disponível em http://www.unece.org/fileadmin/DAM/ead/pub/032/032_c2.pdf
Fonte:Panayotou (1993).WP 238. International Labor Office. Disponível em   http://www.ort.edu.uy/facs/boletininternacionales/contenidos/157/gonzalezguyer157.html











O Objetivo do paper é testar, empiricamente, se existe a relação de U invertido quando se considera degradação ambiental e desenvolvimento econômico (preface:  The purpose of this study is to test empirically the hypothesis that an inverted Ushaped relationship exists between environmental degradation and economic development, and to derive its policy implications for employment, technology transfer and development assistance. ")




Fontes:
- A HIPÓTESE DE KUZNETS E MUDANÇAS NA RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE E CRESCIMENTO DE RENDA NO BRASIL. Disponível em      http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/1330/1123
 http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0124-59962014000200006
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20032006000300008&script=sci_arttext)
- http://www.unece.org/fileadmin/DAM/ead/pub/032/032_c2.pdf
- http://www.aba-agroecologia.org.br/revistas/index.php/rbagroecologia/article/viewFile/13302/9972
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20032006000300008&script=sci_arttext)

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