terça-feira, 10 de novembro de 2015

A REUNIÃO E O RELATÓRIO DE FOUNEX: a preparação da Conferência de Estocolmo

Até 1968, tivemos avanços científicos e sociais na área ambiental e, entre eles, os conhecimentos sobre as inter-relações existentes no meio ambiente e a não existência de fronteiras administrativas, regionais ou nacionais para seus impactos. Vários livros, estudos e relatórios foram publicados, entretanto, as minimizações e correções estavam centradas em ações técnicas isoladas. Surgiram também, no mundo, várias organizações e movimentos ambientalistas e partidos verdes. No entanto, “muitos empresários, sindicatos, partidos políticos, entre outros, ainda consideravam o movimento ambientalista um fenômeno de moda e de revolta idealista"  (PHILIPPI Jr. et al., 2004).
Na área ambiental (segundo capítulo I do relatório Integracion del medio ambiente y el desarrollo:1972-2002, na página 2),  no Ocidente conviviam (e convivem) duas importantes vertentes sobre as causas da degradação ambiental. Uma que atribuía os desequilíbrios à busca incessante de crescimento econômico e lucros e a outra que responsabilizava o crescimento populacional ou demográfico pelos mesmos.

Mas, não é só isso, havia (e há) uma tensão entre os Países em Desenvolvimento (PED) e os Países Desenvolvidos (PD) (também denominado entre o Norte e o Sul ou países pobres e ricos), sobre como enfrentar o tema ambiental. Não se pode esquecer que os PD consideravam a necessidade urgente de mitigar os impactos ambientais negativos e priorizar ações e normatizações para os problemas ambientais existentes, que afetavam a sua qualidade de vida. Os PED, que estavam em plena ascensão econômica (milagre econômico brasileiro, por exemplo, com 10% de crescimento ao ano) receavam o cerceamento ou impedimento de suas iniciativas econômicas (que eram poluentes, decorrentes do importado modelo fordista de produção), que visavam superar o subdesenvolvimento da maior parte dos países existentes. Portanto, para os PED e subdesenvolvidos, a preocupação com o meio ambiente era uma tática dos países ricos para assegurar seus recursos naturais (sob a alegação de que havia perigos de contaminação e esgotamento de matérias-primas), decorrentes do aumento da atividade econômica dos PED.  Havia um relativo consenso que a poluição ambiental era inerente ao processo de desenvolvimento.

Isso pode ser constatado no discurso do Embaixador Araújo Castro, representante Permanente junto às Nações Unidas, em 1970:
"Ninguém põe em dúvida a necessidade de medidas prontas e eficazes....com vistas ao combate à contaminação e à preservação do meio humano. O que parece indispensável é que essas medidas não sejam tomadas em abstrato, sem que se levem em consideração as necessidades vitais do desenvolvimento econômico. Os países em desenvolvimento só podem ver com apreensão uma tendência para uma política de estabilização do poder que coloca toda ênfase no desarmamento regional, controle da população, desestímulo ao uso da energia nuclear para fins pacíficos e desestímulo a um rápido processo de industrialização" (http://funag.gov.br/loja/download/1047-conferencias-de-desenvolvimento-sustentavel.pdf , p.33).

Como consequência, os grupos ecologistas promotores da Conferência (dos PD e em menor número) perdiam força devido a diminuição ou falta de credibilidade dos PED para com as propostas. Maurice Strong reafirmou esse contexto ao afirmar que foi nos países industrializados, preocupados com a contaminação, que se criou a ideia da Conferência de Estocolmo (Strong, 1983, p.247). A posição dos PED foi registrada no relatório daquele painel (Development and environment; report submitted by a panel of experts convened by the Secretary-General of the UN Conference on the Human Environment. Founex: UN, 1971). Veja o relatório em http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf .
Burocrática e legalmente, ao mesmo tempo em que se preparava a Conferência da Biosfera, patrocinado pela UNESCO (vide histórico, no blog), para setembro de 1968, o embaixador sueco, Sverker Aström (1915-2012), com os problemas de poluição atmosférica que havia em seu país defendia, perante a UNESCO, a inclusão do tema proteção do meio ambiente na Agenda da XXIII Assembléia Geral. Decidiu-se, por meio da Resolução 2398/XXIII, coletar dados e propor um plano de medidas de proteção.Como resultado, o Secretário Geral da ONU, U Thant entregou o informe "El hombre y su medio ambiente", em 26 de maio de 1969.

Um parenteses na discussão: U Thant (1909-1974) era da antiga Birmânia (atual Myanmar)


fonte: http://mymosaicpages.blogspot.com.br/2013/07/myanmar-presentation-in-india.html


O Relatório de U Thant apresentava duas idéias importantes: a) a interdependência ambiental espacial  e a necessidade de uma gestão comum e b) o interesse comum dos PD e dos PED em preservar o meio humano.

“Por primera vez en la historia de la humanidad existe una crisis de alcance mundial que abarca tanto a los países desarrollados como a los en vía de desarrollo, y se refiere a la actitud del hombre frente a su medio ambiente. Los indicios que anunciaban esta crisis eran ya visibles desde hace tiempo: la explosión demográfica, la insuficiente integración de la técnica con los requerimientos del medio ambiente, la devastación de las tierras cultivables, el desarrollo no planificado de las zonas urbanas, la disminución de espacios libres y el cada vez mayor peligro de extinción de las numerosas especies de vida animal y vegetal. Es indudable que, en caso de continuar este proceso, la vida sobre la Tierra se verá amenazada” (fonte: Clément, 2008, pp.1 e 2).

No mesmo ano, U Thant (1969), segundo a Introdução do Relatorio Meadows (veja em minhas postagens) afirma: "Não desejo parecer excessivamente dramático mas, pelas informações de que disponho como Secretário-Geral, só posso concluir que os membros das Nações Unidas dispõem talvez de dez anos para controlar suas velhas querelas e organizar uma associação mundial para sustar a corrida armamentista, melhorar o ambiente humano, controlar a explosão demográfica e dar às tentativas de desenvolvimento o impulso necessário. Se tal associação mundial não for formada dentro dos próximos dez anos, então será grande o meu temor de que os problemas que mencionei já tenham assumido proporções a tal ponto estarrecedoras que estarão além da nossa capacidade de controle".

Diante das questões levantadas, a Assembléia Geral decidiu organizar simpósios regionais durante os dois anos seguintes e depois realizar uma conferencia mundial sobre o tema.

Na XLV Reunião do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) houve a recomendação de que a Assembleia Geral da ONU convocasse uma conferência mundial sobre o meio ambiente (Resolução 1346, XLV, 1968).
Pela Resolução 2581, da XXIV Sessão da Assembleia Geral, em dezembro de 1969, foram acolhidos os termos da Resolução 1448 (XLVI) do ECOSOC, que transcrevia os resultados de grupo ad hoc (Doc. E/4667) com sugestões para a preparação e a organização da Conferência. Na mesma Resolução constava, igualmente, a aceitação do oferecimento do Governo sueco para que a Conferência se realizasse em Estocolmo e o estabelecimento de um Comitê Preparatório integrado por 27 representantes nomeados pelos Governos dos seguintes países: Argentina, Brasil, Canadá, Chipre, Cingapura, Costa Rica, EUA, França, Gana, Guiné, Índia, Irã, Itália, Iugoslávia, Jamaica, Japão, Ilhas Maurício, México, Nigéria, Países Baixos, Reino Unido, República Árabe Unida, Suécia, Tchecoslováquia, Togo, União Soviética e Zâmbia. (veja https://portals.iucn.org/library/efiles/documents/EPLP-005.pdf, p. 22 a 25) e (http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf)
A Comissão Preparatória realizou quatro sessões.

Na primeira sessão, em Nova Iorque, ocorrida de 10 a 20 de março de 1970, a Comissão definiu o conteúdo do programa e seleção dos temas da Conferência (poluição marinha; limites de emissão de poluentes; conservação de solos, intercâmbio de informações e de genes, entre outros) e grupos de trabalho para os temas. Foi também discutida a estrutura organizacional da Conferência (veja https://portals.iucn.org/library/efiles/documents/EPLP-005.pdf, p. 26 a 29).

A segunda sessão, realizada em Genebra, de 8 a 19 fevereiro de 1971, foi preparada uma agenda provisória da conferência, discutiu-se a possível natureza e conteúdo de uma declaração sobre o Meio Ambiente Humano e se recomendou a criação de um grupo de trabalho intergovernamental sobre a declaração.

Na terceira sessão, em Nova Iorque, de 13 a 24 de Setembro de 1971, a Comissão Preparatória analisou o progresso do trabalho e discutiu o projeto de declaração.

A Comissão realizou uma quarta sessão também em Nova York, entre 6 a 17 de março de 1972, em que se tratou, principalmente, das implicações organizacionais internacionais das recomendações de ação, inclusive financeiras, assim como a proposta de Declaração sobre o Ambiente Humano.

Atendendo ao recomendado na Segunda sessão preliminar, realizada em fevereiro de 1971, constituiu-se a Reunião Especial do Painel de especialista em Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Founex, Suíça, em junho de 1971. Portanto, esta atendeu aos direcionamentos das reuniões preparatórias para a Conferência de Estocolmo. Neste encontro, reuniram-se 27 especialistas de diversos países, convocados pelo Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano.

Os especialistas que participaram do Encontro de Founex foram:

- Milan Adamovic (Iugoslávia);
- Martin Alexander (EUA);
- Samir Amin (Egito);
- Serge Antoine (França);
- Wilfred Beckerman (Reino Unido);
- Belai Abbai (Etiópia);
- Nora Castañeda (Venezuela);
- Gamani Correa (Ceilão)
- F. Van Dam (Países Baixos);
- Mahbub ul Haq (Paquistão);
- Felipe Herrera (Chile);
- Jan Tinbergen (Países Baixos);
- Shigeto Tsuru ( Japão);
- Ulf Himmelstrand (Suécia);
- Enrique Iglesias (Uruguai);
- Cheikh Hamidou Kane (Senegal);
- Karl William Kapp (Alemanha/EUA);
- Jan Kulig (Polônia);
- Helmut Erich Landsberg (Alemanha);
- José Antonio Mayobre (Venezuela);
- H.M.A. Onitiri (Nigéria);
- Miguel Ozório de Almeida - único embaixador (Brasil);
- Pitambar Pant (India);
- Ignacy Sachs (França);
- M.Z. Shafei (Egito);
- Hans Singer (Reino Unido);
- Puey Ungphakorn (Tailândia) (Founex report, 1971)

Essa reunião foi marcada pela insatisfação dos PED. A Iugoslávia relatou a Maurice Strong a insatisfação dos PED, pois, ela estava orientada para os interesses dos países industrializados e que era evidente que as viagens de Strong eram, preponderantemente, para estes países. A Iugoslávia também ressaltou a ameaça velada de um boicote da Conferência pelos países em desenvolvimento (vide http://www.mauricestrong.net/index.php/founex-conference?showall=1&limitstart=; e http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11756/1/2012_LucasJoseGalvaoGarciadeFreitas.pdf).

Diante disso, Strong visitou cerca de 30 países em desenvolvimento, em que se encontrou com líderes e contatou pessoas que ocupavam posições importantes nos processos de planejamento político-econômico nacional. Estrategicamente, em junho de 1971, ele garantiu a presença da Primeira ministra Indira Gandhi, da India. Com isso, a Índia e o Brasil tornaram-se os PED mais ativos no processo preparatório. Ghandi será a única Chefe de Estado presente na Conferência de Estocolmo e famosa por afirmar que a pobrea é a pior forma de contaminação.

Segundo Sachs (1993, p.29), a reunião de Founex "estabeleceu um caminho intermediário entre o pessimismo dos malthusianos a respeito do esgotamento dos recursos e o otimismo da fé dos cornucopianos a respeito dos remédios da tecnologia".


A reunião de founex, entre os dias 4 a 12 de junho de 1971, foi presidida pelos especialistas Dr. Gamani Corea (1925-2013), do Sri Lanka (que depois se tornou o Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD) e por Mahbub ul Haq, do Paquistão (Diretor dePlanejamento de Políticas do Banco Mundial e criador do Relatório do Desenvolvimento Humano).

Ela objetivava  analisar a relação entre o ambiente e o desenvolvimento e produzir uma síntese viável (conciliadora), ou seja, fornecer um quadro dos problemas do meio ambiente humano para discussão dentro das Nações Unidas, de maneira a dirigir a atenção dos governos e da opinião pública sobre a importância e a urgência dessa questão (UNITED NATIONS, A/RES/2398, XXIII - Resolução 2398 da XXIII Sessão da Assembléia Geral, de dezembro de 1968, que endossou a realização da Conferencia). Veja a Resolução em https://portals.iucn.org/library/efiles/documents/EPLP-005.pdf, páginas 19 a 22.

A conclusão no Relatório Founex, denominado Report on development and environment, foi conciliador, o que permitiu continuar com o processo que culminaria na Conferência, ou seja, estava fora de perigo a Conferência não se realizar. Concluiu que enquanto a degradação do meio ambiente nos países industrializados é decorrente dos padrões de produção e consumo, os problemas ambientais no resto do mundo (a falta de saneamento básico, acesso à água potável, habitação, saúde e alimentação) eram resultados da pobreza, ou seja, da falta de desenvolvimento e do processo de desenvolvimento em si.

Segundo o Relatório (tradução minha): “É evidente que, em grande medida, o tipo de problemas ambientais que são de importância em países em desenvolvimento é aquele que pode ser superados pelo próprio processo de desenvolvimento. Nos países avançados, é conveniente ver o desenvolvimento como causa de problemas ambientais. O mau planejamento do desenvolvimento e sua não regulamentação podem ter um resultado semelhante nos países em desenvolvimento também. Mas, para a maior parte, dos países em desenvolvimento, o desenvolvimento torna-se essencialmente uma cura para seus principais problemas ambientais. Por estas razões, a preocupação com meio ambiente não deve e não precisa prejudicar o compromisso da comunidade mundial ...de desenvolvimento das regiões em desenvolvimento do mundo (FOUNEX REPORT, 1971). Ressaltou a importância do planejamento e da gestão, a integração de estratégias ambientais e sugeriu que os países ricos canalizassem mais dinheiro para permitir que os países mais pobres se desenvolvessem (vide http://www.unep.org/pdf/40thbook.pdf e http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf)
Portanto, houve uma distinção importante entre a situação ambiental dos Países em Desenvolvimento (PED) e os dos Países Desenvolvidos (PD), se ressaltou que a questão era mais complexa do que, somente, implantar programas de conservação e, de certa forma, os interesses dos PED foram preservados.

Resumindo, o conflito países desenvolvidos versus em desenvolvimento e subdesenvolvidos se expressou pelo tipo de enfoque (que será replicado na Conferência de Estocolmo), ou seja, os países desenvolvidos afirmam que a causa do desequilíbrio ambiental é o desenvolvimento enquanto os países subdesenvolvidos afirmam (no final o relatório confirma essa visão) que o desenvolvimento é o caminho para a correção dos desequilíbrios ambientais e sociais e que o desenvolvimento deve ser acelerado.

O relatório teve o mérito de relacionar meio ambiente com desenvolvimento econômico e social, mas não eliminou a discussão entre os conservacionistas dos países ricos e os desenvolvimentistas dos países em desenvolvimento e pobres. Esse confronto se reproduz na Conferência de Estocolmo, alimentada também pelo lançamento do Relatório do Clube de Roma.

Fontes de consulta:
- SACHS, I.  Estratégias de transição para o século XXI. In: BURSZTYN, M. (Org.) Para pensar o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora brasiliense, 1993.
 - http://www.unep.org/pdf/40thbook.pdf
- http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf
- http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11756/1/2012_LucasJoseGalvaoGarciadeFreitas.pdf
- http://www.mauricestrong.net/index.php/founex-conference?showall=1&limitstart=
- http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/radarRio20-baixares.pdf
- file:///C:/Users/SEVEN/Downloads/12372-66809-1-PB.pdf
- file:///C:/Users/SEVEN/Downloads/O_BRASIL_E_AS_TRÊS_CONFERÊNCIAS_AMBIENTAIS_DAS_NAÇÕES_UNIDAS_-_.pdf
- http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/mest_sotero_jp.pdf
- http://www.grida.no/geo/geo3/spanish/pdfs/chapter1-1.pdf
- file:///C:/Users/SEVEN/Downloads/artdesarrollosostenible.pdf
- https://portals.iucn.org/library/efiles/documents/EPLP-005.pdf
http://www.radarrio20.org.br/index.php?r=conteudo/view&id=9

Nenhum comentário: