segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Ecologia contra o desenvolvimento

Decidi, como já comentei, publicar alguns documentos que sairam na época da Rio-92.

Este é o do Prof.Dr. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, publicado na Folha de São Paulo, caderno Opinião Econômica. Atualmente, ele tem 78 anos, é fisico e professor emérito da Unicamp.
Aqui está o texto dele, publicado em 1992:

" Inaugura-se na última semana a Eco-92, também conhecida como Rio-92, ou ainda Ecologia e Desenvolvimento, ou Conferência da Cúpula da Terra. Essa multiplicidade de denominações é apenas uma consequência natural das muitas ambiguidades que envolvem o evento e, mais ainda, do próprio problema de sobrevivência, como se coloca ele hoje para a humanidade. Duas novas praxes concentram os esforços intelectuais humanos neste fim de século: a informática, que encontra seu propósito fundamental no desenvolvimento econômico, e a ecologia, que é sustentada basicamente por princípios de conservação. Todavia, desenvolvimento e conservação pressupõem valores sociais (culturais) que não convergem naturalmente. Se novos valores vierem a convergir neste (sic) era pós-industrial que se inicia neste fim de século, eles serão engendrados necessariamente pelas mudanças promovidas pela inserção no cotidiano do homem comum, da "cultura" ecológica e dos costumes derivados do uso intensivo das técnicas proporcionadas pela informática. O conflito e a resultante ambivalência da díade informática-desenvolvimento, com o binômio ecologia-conservação, só poderão ser atenuados com um esforço consciente para analisar e ajustar os valores culturais preponderantes.
Textos correntes definem "valor" como um princípio abstrato generalizado e generalizante do comportamento, em relação ao qual membros de um grupo sentem um compromisso positivo de natureza fortemente emocional e que fornece um padrão para julgar atos e propósitos específicos. São assim os valores aceitos não apenas como afirmativas genéricas a que cada membro de um grupo adere, mas como compromisso individual de cada um, que internaliza esses valores como parte integrante do processo de socialização. Com isso, os valores fornecem os padrões gerais de comportamento que são expressos em normas sociais formuladas de maneira explicita e concreta.
Foi assim que a dinâmica específica da cultura ocidental gerou uma série de valores expressos por palavras-chaves, tais como: "liberdade", "justiça", "lealdade", "amor", "tolerância", e outros. A esses, a revolução industrial veio adicionar "eficiência", "confiabilidade", "autonomia", "racionalidade" e assim por diante. O processo de adição de novos valores, entretanto, não é tão simples quanto parece, pois, esses se organizam em sistemas onde cada valor reforça o outro, formando um todo corrente.
É claro que a humanidade aprendeu a conviver com pequenas dicotomias. Há, por exemplo, um punhado de anacrônicos senhores que pretendem restaurar a monarquia no Brasil. O regime monárquico tem sucesso em países civilizados como a Inglaterra, a Suécia, a Holanda etc, dizem eles. Monarquias são necessariamente aristocráticas. Uma família real é inexoravelmente superior à plebéia. Se todo inglês se sentisse "igual" ao rei, este seria deposto no dia seguinte. Não se pode, por outro lado, pensar em democracia sem adotar como valor preponderante o "egalitarismo". A Inglaterra foi um país colonialista até recentemente, um império. Talvez seja por isso que ainda mantenha certos valores aristocráticos. A Suécia é um país democrático, mas consegue conviver com a monarquia, dessas ambivalências com que convivem melhor os eslavos do que os latinos.
Como são incontestáveis os fatos de que valores evoluem da interação social e de que sua natureza é fortemente emocional, de pouco valem reflexões e análise de natureza acadêmica. Todavia, essas podem orientar ações específicas de governos e instituições da sociedade civil.
Mas como conciliar a urgência para desenvolver economicamente o hemisfério sul e manter o nivel de riqueza do hemisfério norte sem despender mais energia do que hoje? Como evitar o crescimento da população sem violentar a natureza? Conservar é respeitar a natureza e seu mais fundamental princípio é o direito à procriação. Sem energia não há melhoria de qualidade de vida. A retórica do desenvolvimento sustentado é muito atraente para a Suiça e veranistas de Angra dos Reis. Mas onde ficam a Biafra e as mil "Biafras brasileiras".
Quando a razão não resolve, recorremos aos poetas. De acordo com Italo Calvino, a literatura do próximo século terá como novos valores "leveza", "rapidez", "exatidão", "visibilidade", "multiplicidade", "consistência". Nenhum deles parece ferir mortalmente esses dois movimentos inexoráveis do homem do século 21: a informatização e a conservação. Talvez possamos partir desse ponto".
Penso que esse texto tem seu mérito ao discutir a internalização do valor, ou seja, a não imposição por meio de normas e multas de uma nova relação com o meio ambiente e da sociedade em si. No entanto, quando ele defende, de uma forma muito bem muito sutil, que não há melhoria da qualidade de vida sem uso de energia, dá para ficar de orelha em pé. É obvio que ao haver melhoria há consumo de energia, no entanto, há diferentes formas de geração de energia e algumas que não agridem muito o meio ambiente como a hidro, a eólica, entre outras. Fico me perguntando se ele se referia a isso. Se for, podia ter escrito, não acham?

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