sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

ESTOCOLMO, 1972 - DOCUMENTO BRASILEIRO OFICIAL E ORIENTAÇÕES PARA DISCUSSÃO

1. CONTEXTO

O Brasil, na época da preparação e durante a Conferência, estava sob o regime ditatorial (1964-1985), sob o governo do General Emílio Garrastazu Médici (gestão de 30/10/1969 a 15/03/1974). A repressão era tanta que o governo ficou conhecido como "os anos negros da ditadura".

Os direitos do cidadão estavam suspensos e qualquer um podia ser preso e/ou ter sua casa invadida. 
Era a época do "Brasil: ame-o ou deixe-o", slogan criado no governo Médici.

Fonte: http://geoconceicao.blogspot.com.br/2012/06/estocolmo-1972.html








Existiram outros slogans, amplamente divulgados pela imprensa controlada pela ditadura, tais como: "Ninguém segura este país", "Brasil, conte comigo", "Você constrói o Brasil", entre outras. O Brasil acabava de ser tri-campeão mundial no futebol (1970) e a música "Pra frente Brasil" era repetida constantemente.

No plano econômico temos Delfim Neto, que orquestrou o Milagre Brasileiro (crescimento de 10% ao ano do PIB, no período de 1969 a 1973), com a política de "Crescer o bolo para depois dividir", ou seja, aumento da produção e das exportações, com concomitante crescimento dos empréstimos no exterior e, no plano social, o arrocho salarial, que os sindicatos e trabalhadores não tinham como reagir devido a repressão militar (http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1969.shtml)

Nesse contexto, era claro que havia a defesa da não-intervenção e/ou interferência externa nos assuntos internos. Situação que se refletia, inclusive, nos assuntos sobre o meio ambiente, mesmo que a interferência fosse da ONU.

Consequentemente, a posição do Brasil, em plena ditadura e no final do milagre brasileiro (1968-1972) era de "Desenvolver primeiro e pagar os custos da poluição mais tarde", como declarou o Ministro Costa Cavalcanti, chefe da Delegação brasileira na conferência. Era a defesa de todos os países terem o direito de crescer economicamente (aumentar o Produto Interno Bruto).

 Os países em desenvolvimento e os subdesenvolvidos ou pobres ou periféricos, constituíam a maioria da população, tinham as maiores taxas de natalidade e, rejeitavam a proposta dos países desenvolvidos, que era baseada, em particular, no Relatório do Clube de Roma, o qual afirmava que os maiores problemas eram: industrialização acelerada, rápido crescimento demográfico, escassez de alimentos, esgotamento de recursos não renováveis, deterioração do meio ambiente.  Afirmavam que os problemas ambientais são de países ricos e derivados do excesso de produção e consumo.

Defendiam que o principal problema ambiental era a pobreza, a má nutrição e as enfermidades. Nesse contexto, era necessário o desenvolvimento/crescimento, que não deveria ser sacrificado com as questões ambientais. Consequentemente, o crescimento zero era inaceitável.

A Primeira Ministra indiana Indira Ghandi afirmou que a pobreza é a grande poluidora ao se referir ao fato de que os pobres precisam super-explorar seu meio ambiente para suprir as necessidades básicas.  Na preparação e na Conferência, o Brasil defendeu essa posição.


2. A DELEGAÇÃO BRASILEIRA


Por Decreto Presidencial de 24 de abril de 1972, foi designada a seguinte Delegação:

Chefe: • Ministro José Costa Cavalcanti

Subchefe: • Embaixador Miguel Álvaro Ozório de Almeida

Delegados:
• Vice-Almirante Paulo de Castro Moreira da Silva;
• Embaixador Carlos Calero Rodrigues;
• Doutor Henrique Brandão Cavalcanti;
• Doutor Rubens Vaz da Costa;

Delegados Suplentes:
• Ministro Espedito de Freitas Resende;
ESPECIAL-MEIOAMBIENTE-3-IE-2242.jpg
Henrique Brandão Cavalcanti.
fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/248794_BARULHO+EM+NOME+DO+PLANETA
• Doutor Isaac Kerstenetzky;
• Primeiro Secretário Bernardo de Azevedo Brito;
• Doutor Aimone Camardella; e
• Doutor Mário Trindade.

Assessores Técnicos:
• Doutor José Cândido de Melo Carvalho;
• Doutor Fausto Pereira Guimarães;
• Doutor Flávio Dionysio de Andrade Costa;
• Coronel Adhemar da Costa Machado;
• Doutor Vinicius Fonseca. Assessores:
• Segundo-Secretário Luiz Felipe de Macedo Soares Guimarães;
• Segundo-Secretário Raphael Valentino Sobrinho;
• Segundo- Secretário Mário Grieco;
• Terceiro-Secretário Washington Luiz Pereira de Sousa Neto.

Observadores Parlamentares:
• Senador Francisco Accioly Rodrigues da Costa Filho;
• Deputado José Roberto Faria Lima.

Nos dias 10 e 11 de maio reuniu-se a equipe e distribuiram-se os 6 temas para análise, a saber:
- Planejamento e Administração de Núcleos Humanos para melhoria da Qualidade Ambiental (Tema I)
- Administração de Recursos Naturais (Tema II)
- Identificação e Controle de Poluentes de Amplo Significado Internacional (Tema III)
- Aspectos Educacionais de Informação, Sociais e Culturais dos Assuntos do Meio Ambiente (Tema IV)
- Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (Tema V)
- Conseqüências Institucionais das Propostas de Ação no PIano Internacional (Tema VI)

Em 25 de maio de 1972, a comissão dedicou-se a discutir os temas e os documentos gerais da Conferência

O Chefe da Delegação, Ministro José Costa Cavalcanti no primeiro dia da Conferência, em Plenário, pronunciou discurso transcrito em postagem específica. 

3. DOCUMENTO PRODUZIDO PELO BRASIL PARA A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO

Existiram centenas de documentos preparados (grande parte dos países participantes levaram documentos). Tratei de alguns na postagem sobre a Conferência de Founex denominada "A REUNIÃO E O RELATÓRIO DE FOUNEX: a preparação da Conferência de Estocolmo".
Nesta postagem trato do documento que foi preparado pelo Brasil para discussão na Conferência de Estocolmo.

Em alguns sites citados (e nas fontes) vocês poderão ter um panorama das propostas de muitos países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

Fonte: http://respostassustentaveis.com.br/tag/acidente-ambiental/

O documento brasileiro, com dois volumes, que somam 100 páginas, tem a denominação de "Relatório da Delegação do Brasil à Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano- 1972".

Como postei em A REUNIÃO E O RELATÓRIO DE FOUNEX..., o Brasil tinha todo interesse em defender a sua visão, teve grande participação nas reuniões preparatórias e acreditava que suas posições tinham dominado e seriam defendidas na Conferência.

Contudo, não foi bem isso que ocorreu. No volume 1, nas páginas 5 e 6, fica claro o ambiente conflituoso que ocorreu na conferência:


Afirma o documento: "Desde o inicio, a Delegação Brasileira manteve, entre os países em desenvolvimento, uma posição de indiscutível liderança, uma liderança que se refletiria também no ECOSOC (Economic and Social Council - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, adendo meu) e na Assembléia-Geral: defendeu o Brasil, de forma intransigente, as prioridades do desenvolvimento, isto sem prejuízo de uma atenção para com os problemas ambientais que seja realmente compatível com as aludidas prioridades, tanto a curto como a médio e a longo prazo".

"Em junho de 1971 as teses brasileiras iriam se refletir, de forma bastante satisfatória, no relatório então preparado pelo Grupo de Peritos incumbido de estudar o relacionamento entre desenvolvimento e meio ambiente. O chamado Relatório de Founex, submetido à Conferência de Estocolmo no âmbito do chamado Tema V da respectiva agenda, foi endossado em principio ao menos por um grande número de países, tanto em desenvolvimento como desenvolvidos, constituindo por isso mesmo trunfo de grande importância para a Delegação brasileira à Conferência. O mesmo se pode dizer em relação à Resolução 2849 (XXVI), adotada pela Assembléia Geral sob o tema”Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente” com a expressiva maioria de 85 votos a favor, 2 contra e 34 abstenções. Tal resolução foi cuidadosamente preparada e negociada pela Delegação do Brasil a reunião dos 77 em Lima e posteriormente à Assembléia-Geral, tendo já em vista o quadro de Estocolmo".

"Quando já pareciam definitivamente aceitas, em tese ao menos, as prioridades do desenvolvimento, pôde-se observar, sob a inspiração direta ou indireta do chamado “Club de Roma”, o recrudescimento da campanha ambientalista, lançada desta vez, porém, com uma base conceitual bem mais explícita: o objetivo já não seria mais a incorporação das considerações ecológicas no planejamento e na implementação do desenvolvimento, mas simplesmente o congelamento do processo de desenvolvimento, substituído pelo conceito da “sociedade estável” sob o argumento de que o crescimento demográfico e o desenvolvimento econômico são incompatíveis com a limitação dos recursos de que dispõe a humanidade e conduzem necessariamente, urna vez esgotadas as alternativas tecnológicas, a condições impeditivas da manutenção da vida humana e da civilização. Publicações como “The Limits to Growth”, de um grupo do Massachusetts Institute of Technology, e em particular “The Blueprint for Survival”, elaborado por cientistas ingleses, defendem a paralisação do desenvolvimento e uma reavaliação dos objetivos da sociedade moderna, com o intuito de substituir a sociedade industrial de economia de escala por uma rede de pequenas comunidades, concebidas de modo a se incorporarem mais facilmente nos ciclos regeneradores da própria natureza. A tese é defendida com maior precisão no documento inglês, cujo conceito de economia e governo descentralizados em células agroindustriais por vezes se aproxima dos modelos chineses.
Assim em diante. O documento pode ser acessado em http://proclima.cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/28/2013/12/estocolmo_72_Volume_I.pdf

"Embora de aplicação supostamente universal, as teses do “Club de Roma” visam evidentemente o mundo em desenvolvimento, cujo progresso econômico passaria a ser interpretado como um retrocesso e um risco para a Humanidade. Uma nova filosofia política parece assim nascer e, da mesma maneira que o controle demográfico constitui hoje um perigoso dogma das grandes organizações internacionais de crédito, poderá um dia a filosofia antidesenvolvimentista ganhar terreno, com reflexos negativos nos poucos setores em que a cooperação econômica internacional tem-se revelado mais útil e promissora".


"...o que parece existir é a idéia elitista de que, não sendo possível o nivelamento da sociedade “por cima”, a solução seria uma política rigorosa de controle justificada agora em termos ambientais. (p.6)

"Cumpriria ainda à Delegação brasileira orientar a sua atuação no sentido de evitar que as medidas e decisões a serem adotadas em Estocolmo:
(i) limitassem com formulações jurídica s e outras, como o chama do “direito de consulta”, o direito soberano de cada país de explorar seus recursos, de acordo com os seus próprios interesses e prioridades;
(ii) favorecessem o estabelecimento de “padrões” universais de produção que obstruam o processo de desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento, com exigências estabelecidas segundo um critério equalizador de custos que não se poderia justificar em termos puramente ecológicos, à vista da maior capacidade de absorção do meio ambiente nas regiões menos desenvolvidas;
(iii) incentivassem a adoção de padrões de consumo que se pudessem converter em obstáculos às exportações dos países em desenvolvimento, como uma alternativa ecológica para as barreiras alfandegárias já existentes". (p.8)

"Na área do aproveitamento de recursos naturais, os interesses nacionais, em termos econômicos e de segurança, são de tal monta, que qualquer fórmula que, sob o pretexto ecológico, impusesse uma sistemática de consulta para projetos de desenvolvimento seria simplesmente inaceitável para o Brasil. Havia que ter em conta, por outro lado, a necessidade de se manter um diálogo construtivo e o fato mesmo de que, por sua própria natureza, os problemas ambientais apresentam uma permeabilidade que realmente desafia as fronteiras políticas...A esse respeito, vale acentuar que embora tais relações não se constituam em obstáculo ao desenvolvimento nacional, nossos interesses no cenário mundial nos obrigam a pesar cuidadosamente certos efeitos da tese da “soberania ilimitada”, quando aplicada às perspectivas futuras do Brasil e seu relacionamento com as grandes potências de hoje. (p.9)

Como se pode ver, a preocupação brasileira e de muitos outros países era de garantir o crescimento econômico (uma visão anti-Clube de Roma), sem alterar o quadro populacional e de acesso aos recursos naturais necessários para esse objetivo. Garantir também a soberania nacional na condução do crescimento econômico.


4. POSIÇÃO BRASILEIRA

O Brasil participou da Conferência com as seguintes orientações, que foram encaminhadas ao Presidente da República, em 22 de dezembro de 1971 pelo General Bda João Batista de Oliveira Figueiredo, Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional:

"O Ministério das Relações Exteriores, atento para o problema e julgando oportuno fixar uma posição consentânea com os interesses nacionais, propõe como linha de atuação a ser adotada pelo BRASIL:

-  Defender basicamente a tese de que cabe aos países desenvolvidos – principais responsáveis pela poluição – o ônus maior de corrigir a deterioração do meio ambiente no plano mundial.

- Considerar que o desenvolvimento econômico é o instrumento adequado para resolver nos países subdesenvolvidos os problemas de poluição e alteração ambiental, vinculados em grande parte as condições de pobreza existentes.

- Contrapor-se às proposições que resultem em compromissos que possam prejudicar o processo de desenvolvimento dos países de baixa renda percapita. 

- Conduzir os debates sob enfoque técnico-político, a luz de orientação do Governo, e em consonância com as posições já adotadas na defesa dos interesses nacionais, em outros campos.

- Evitar iniciativas isoladas e fracionárias por parte de órgãos da administração pública do país, que possam prejudicar a política estabelecida.

- Desenvolver ação junto à opinião pública interna para esclarecer as implicações e repercussões de cada iniciativa proposta, neutralizando possíveis pressões consideradas prejudiciais aos nossos interesses.
(Fonte:http://proclima.cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/28/2013/12/estocolmo_72_Volume_II.pdf, pagina 2)

5. INSTRUÇÕES PARA A DELEGAÇÃO BRASILEIRA

As Instruções para a Delegação do Brasil à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente dividem-se em: (I) Posição Geral do Brasil e (II) Instruções específicas (referentes a cada um dos 6 temas)

Posição Geral do Brasil.

"Caberá à Delegação brasileira em Estocolmo, coerente com a posição assumida nos diversos estágios da preparação da Conferência, guiar-se pelas diretrizes aprovadas pelo Senhor Presidente da República, e adiante resumidas. Todas as intervenções dos representantes brasileiros deverão ser feitas à luz dessa orientação presidencial e todos os debates conduzidos com objetividade e sob enfoque político, em defesa dos legítimos interesses nacionais que podem ser afetados por muitas das medidas de caráter global que a Conferência examinará, incidindo particularmente sobre as políticas de desenvolvimento e integração do país. Serão estas as linhas de atuação da Delegação do Brasil:

1) Defender basicamente a tese de que cabe aos países desenvolvidos, como principais responsáveis pela poluição de significado internacional, o ônus maior de corrigir a deterioração do meio ambiente no plano mundial;

2) Considerar que o desenvolvimento econômico é o instrumento adequado para resolver nos países subdesenvolvidos os problemas da poluição e da alteração ambiental, vinculados em grande parte às condições de pobreza existentes;

3) Contrapor-se as proposições que resultem em compromissos que possam prejudicar o processo de desenvolvimento dos países de baixa renda percapita;

4) Evitar iniciativas isoladas e fracionárias que possam prejudicar a política estabelecida;

5) Desenvolver ação junto à opinião pública para estabelecer as implicações e repercussões de cada iniciativa apresentada, neutralizando possíveis pressões consideradas prejudiciais aos interesses do Brasil. (fonte: http://proclima.cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/28/2013/12/estocolmo_72_Volume_II.pdf, p.4)


6. AS TESES DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO DEFENDIDAS PELO BRASIL.


As principais teses políticas dos países em desenvolvimento foram defendidas pelo Brasil e estão explicitadas no Relatório..., volume I, na página 18), foram:

1 - O principio de que o ônus maior da despoluição e de controle da poluição cabe aos países desenvolvidos, maiores responsáveis pela deterioração do meio ambiente.

2 - A tese da soberania nacional sobre os recursos naturais, e da responsabilidade sobre o seu uso racional em contraposição à tese da administração internacional.

3 - A tese da política demográfica como de inteira responsabilidade nacional.

4 - A tese de que o desenvolvimento econômico é a melhor solução para os problemas ambientais dos países pobres.

5 - A tese de que não se pode limitar a ação de um país à base do desconhecimento ou do conhecimento incompleto, só se admitindo nesses casos, como ação, a pesquisa e análise e o levantamento de novos dados.

6 - A tese de que o principal problema com relação a recursos naturais não é necessariamente sua exaustão mas, ao contrário, a insuficiência de demanda internacional para a oferta atual e potencial de matérias primas 

(fonte:http://proclima.cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/28/2013/12/estocolmo_72_Volume_I.pdf, - p.18).


FONTES:

- http://proclima.cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/28/2013/12/estocolmo_72_Volume_I.pdf
-http://proclima.cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/28/2013/12/estocolmo_72_Volume_II.pdf,


Sugiro que leiam os dois documentos e percebam que os conflitos datam desde o início das discussões e que a participação do Brasil e da India são emblemáticos (vide a postagem  A REUNIÃO E O RELATÓRIO DE FOUNEX: a preparação da Conferência de Estocolmo)


Nenhum comentário: