sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

DISCURSO DO BRASIL NA CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO

Esse discurso foi retirado, integralmente, do Relatório da Delegação do Brasil à Conferência das nações Unidas sobre o Meio Ambiente, volume II, páginas 12 a 16.

DISCURSO DO MINISTRO JOSÉ COSTA CAVALCANTI, CHEFE DA DELEGACÃO DO BRASIL 
(Estocolmo, 6 de junho de 1972) 

"Senhor Presidente, Todos sabemos que o tempo é curto para a tarefa que temos diante de nós. Parece-nos, no entanto, necessário e importante dizer, de começo, umas poucas palavras sobre o significado desta conferência, tanto em relação a seu objetivo – a criação no presente e a projeção no futuro de um mundo melhor e mais saudável para a raça humana e para todas as demais coisas vivas – quanto a seu campo de ação – possivelmente o empreendimento coletivo mais amplo, mais abrangente, jamais tentado pela humanidade. 
A ótica da conferência de Estocolmo é atraente por ser ao mesmo tempo idealista e eminentemente exeqüível. Os governos do mundo não estão apenas reunidos nesta bela cidade, estão unidos num esforço comum e, sob a orientação de Vossa Excelência, dispostos a evitar os obstáculos e contradições que podem ocorrer em uma conferência internacional de natureza global. 
Cabe-nos expressar nossos agradecimentos ao governo da Suécia por sua oportuna iniciativa de propor às Nações Unidas esta reunião e de oferecer-nos a hospitalidade de sua capital. Nossa agenda vai ocupar nosso pensamento e nossa atenção nos dias que se vão seguir. 

DESECONOMIA 

O crescimento considerável das atividades econômicas nos países altamente desenvolvidos foi sobretudo conseguido através de uma aumentada produtividade, baseada na aplicação da ciência à solução de problemas microeconômicos. Assim, uma atitude predominante tecnológica produziu reflexos negativos, que podem representar sérias deseconomias em relação ao meio ambiente, de grande significado para todos os povos da terra, como no caso da poluição do mar e da atmosfera. 

Os países que acumularam considerável riqueza e meios à custa de tantas de deseconomias deveriam portanto, assumir a principal responsabilidade pelas medidas corretivas necessárias e pela substituição do que foi danificado. 

Um dos principais resultados a obter nesta conferência advirá de uma consciência maior da relação que existe entre desenvolvimento e meio-ambiente. 

A delegação do Brasil está preparada para examinar em detalhe cada item da agenda e a participar de sua discussão. É o que vimos fazendo, desde as primeiras reuniões preparatórias e é o que continuaremos a fazer durante a conferência e depois dela. Existem, todavia, uns poucos pontos de ordem geral que gostaria de assinalar desde já. 

AÇÃO FUTURA 

Primeiro: as decisões e recomendações de ação deveriam levar em conta o estágio relativamente incompleto de conhecimentos das condições ambientais, bem como as necessidades de desenvolvimento de cada país. Se o resultado da conferência de Estocolmo for apenas um programa de pesquisa de certa monta, já isso deve ser considerado um retumbante sucesso, pois teremos criado uma base sólida para ação futura. 

Medidas fundamentais sem conhecimento insuficiente estão destinadas ao fracasso, particularmente no domínio do meio-ambiente, por causa da complexidade natural dos fatores ecológicos e sociais. Nesses casos, deseconomias econômicas e sociais devem ser esperadas de medidas que se tomem para melhorar o meio-ambiente. Para a maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhores vestimentas, habitação, assistência médica, emprego, do que de ver reduzida à poluição atmosférica. Com efeito, o desenvolvimento econômico terá de ser encarado, a partir de agora, como uma conciliação entre a necessidade de aumentar a produtividade do homem, para assegurar seu bem-estar e dignidade, e a necessidade de reduzir ao mínimo o aspecto predatório que o progresso assumiu no passado, quando se pensava que a natureza poderia suportar qualquer castigo a ela imposto peIa leviandade humana, e ainda sobreviver. 

Segundo: foi precisamente o crescimento econômico que permitiu aos países desenvolvidos apresentar grande progresso na eliminação da pobreza em massa, da ignorância e da doença, dando assim alta prioridade às considerações do meio-ambiente. A humanidade tem necessidades legítimas, tanto materiais quanto de ordem estética e espiritual. Um país que não alcançou o nível satisfatório mínimo no prover o essencial não está em condições de desviar recursos consideráveis para a proteção do meio-ambiente. 

DEGRADAÇÃO 

Terceiro: à deterioração ambiental vai muito além da poluição industrial. Há outras formas de degradação, tanto em zonas urbanas como em zonas rurais, que constituem a poluição da pobreza ou do subdesenvolvimento. Esta espécie de poluição abrange, nas zonas rurais, a erosão dos solos e a deterioração causada por práticas incorretas na agricultura e na exploração florestal. Abrange aí, também, condições sanitárias inadequadas e contaminação da água e dos alimentos. Nas zonas urbanas, os problemas são ainda mais complexos, como consequência de densidades urbanas excessivas com baixos níveis de renda. É essencial não esquecer que este tipo de degradação do meioambiente tende a ter as características seguintes:

 a) Trata-se de degradação de caráter essencialmente local; 
b) Os maiores poluentes são em geral biodegradáveis; 
c) Ao contrário do que ocorre em geral nos países industrializados, essa degradação tende a diminuir como resultado do próprio desenvolvimento econômico. 

Seria de fato impossível corrigir tais deteriorações ambientais sem desenvolvimento, uma vez que os recursos necessários para combatê-las não podem ser obtidos em baixos níveis de renda. Assim, seria altamente inadequado discutir tais problemas, tanto os rurais quanto os urbanos, sem enquadrá-los no desenvolvimento econômico. Estarão fadados ao insucesso quaisquer esforços no sentido de reduzir a poluição da pobreza sem referi-los a um processo de acumulação de recursos por meio do desenvolvimento. 

Quarto: devemos confiar em que as soluções virão no tempo necessário a evitar perigos em um futuro demasiado distante. Uma atitude sensata e objetiva nos impedirá de crer seriamente em ameaças à humanidade, apresentadas de forma exagerada e emocional. 

RECURSOS LIMITADOS 

O quinto ponto, Senhor Presidente, é o de que os recursos que hoje utilizamos para promover o bem-estar da humanidade não são ilimitados. Temos necessariamente que admitir sua eventual exaustão. Entretanto, no momento, um problema que aflige a humanidade e contribui pesadamente para a deterioração do meio-ambiente em nosso planeta é a demanda insuficiente de matérias-primas e produtos primários aparentemente em excesso. Estamos longe de uma situação de escassez global de recursos naturais, a despeito das limitações que afetam alguns países e regiões, bem como alguns produtos específicos. Estas condições, de resto, estimulam o comércio internacional pela especialização e dão assim aos que só agora chegam ao desenvolvimento uma oportunidade de exportar seus produtos primários e de importar bens de capital industriais, necessários à melhoria dos padrões de vida de seus povos. 

A experiência mostra que ainda estamos longe de conhecer o potencial dos recursos naturais de nosso planeta. Recursos de todos os tipos tornaram-se sempre disponíveis em quantidades diferentes, em lugares distintos e com diversos graus de dificuldades e custo de produção. À medida que se esgotam fontes mais baratas e mais acessíveis, ocorre um incentivo econômico no sentido de buscar reservas mais remotas. À medida que a produção de um dado recurso se torna cada vez mais onerosa, apesar dos avanços tecnológicos, o preço desse produto se elevará gradativamente levando então à reciclagem, substituição por outro produto ou adoção de sintéticos. Este processo poderia beneficiar os países subdesenvolvidos, através de uma melhoria nos termos de trocas de suas exportações de produtos primários. Acreditamos que o mundo não está ameaçado por uma escassez de recursos básicos. A energia nuclear, a geotérmica e a solar acrescentarão um fornecimento virtualmente inesgotável ao serviço do homem bem antes de que se tenham esgotado as fontes convencionais. 

Não acredito que estejamos sujeitos a relacionamentos lineares rígidos e inversos entre desenvolvimento econômico e meio-ambiente, de tal modo que, ao se obter incrementos em um, estaríamos necessariamente acarretando uma diminuição do outro. Há muitas formas pelas quais se conseguem melhorias no meio-ambiente através da indústria, de núcleos urbanos e de práticas agrícolas. O homem é, com efeito, gregário e procura realizar plenamente sua vida intelectual e emocional em densidades humanas normalmente encontradas nas concentrações urbanas. 

POLÍTICAS NACIONAIS 

Um sexto ponto para o qual chamo a atenção diz respeito à população e mais especificamente à chamada pressão populacional resultante de seu crescimento. A parte desta equação relativa a recursos já foi citada em sua perspectiva correta. Quanto à população deve se frisar um aspecto muito importante do assunto. Qualquer ambiente bom e sadio existirá somente em função dos seres humanos que direta e indiretamente virão a desfrutar de suas vantagens. 

Nesse sentido, quaisquer propostas para melhorar o meio-ambiente – melhorá-lo, forçosamente, para o homem visando a reduzir o número de pessoas que irão desfrutar esse ambiente – pareceriam uma contradição. Aquilo que se almeja é um aumento do desfrute total, pelo homem, de um certo tipo de ambiente. Seria pertinente afirmar a esta altura que muitas questões e políticas referentes ao meio-ambiente são de caráter e responsabilidades eminentemente nacionais.

Cabe-nos reconhecer e respeitar inteiramente o exercício de permanente soberania sobre os recursos naturais, bem como o direito que assiste a cada país de explorar os seus próprios recursos, de acordo com a sua própria escala de prioridades e necessidades, e de forma a evitar que se produzam efeitos apreciavelmente prejudiciais para outros países. Isso coincide com o espírito e a doutrina estabelecidos pela Carta, e com documentos memoráveis aprovados pela Assembléia-Geral. É essencial a cooperação internacional nesse domínio, especialmente em termos regionais, âmbito em que tal cooperação é mais adequada e mais benéfica. Tal cooperação não deve, no entanto, ser dificultada por mecanismos internacionais que podem limitar e diluir o conceito das soberanias e independências dos Estados. A esse respeito, o princípio da responsabilidade internacional de Estados individuais é a melhor garantia para a comunidade das nações. Assim, não devem as Nações Unidas procurar colocar a sua ação no lugar das ações que competem aos Estados-membros. A tarefa maior é de maior relevância que corresponde às Nações Unidas é tentar coordenar os esforços individuais, oferecer soluções práticas aos principais problemas, e prestar assistência financeira e técnica, sempre em atendimento a pedidos e de acordo com diretivas dos Estados-membros. 

APOIO AO PROJETO 

Farei referência a seguir a alguns problemas específicos. 

O Projeto de Declaração que nos foi submetido é um documento valioso e o resultado de quase dois anos de constantes negociações e acordos. A delegação do Brasil julga que seria imprudente, especialmente diante das limitações de tempo, tentar melhorar este documento. Qualquer tentativa nessa direção poderia até impedir a adoção de uma declaração pela Conferência. Estamos de nossa parte prontos a dar nosso apoio ao texto tal qual está redigido. 

No Brasil, estamos nós com preocupações vitais em relação às questões de desenvolvimento econômico ao mesmo tempo em que estamos tomando providências concretas para melhorar a condição social de uma crescente população. 

Esforços especiais têm sido orientados portanto para a melhoria do estado de saúde, equipamentos sanitários, serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, bem como controle da poluição, e esperamos servir uma população urbana de 65 milhões em 1980. O financiamento de habitações de baixo custo é um dos principais componentes de um programa de âmbito nacional que está fornecendo quase 200 mil unidades residenciais por ano, de um total de meio milhão de residências que se estão anualmente acrescentando às áreas urbanas. 

O aperfeiçoamento das condições urbanas está sendo associado, em nosso caso, a um processo de ocupação racional do território de modo a reduzir a excepcional taxa de crescimento das áreas metropolitanas e permitir uma distribuição melhor da população em todo o país. Programas de longo alcance no tocante ao controle da erosão e do aproveitamento do solo vêm sendo executados paralelamente a grandes esforços de reflorestamento estimulados por incentivos fiscais, o que já nos possibilitou plantar arvores em 1971 em número superior àquelas que foram abatidas naquele ano. 

ANALFABETISMO 

A legislação para proteger a fauna e a flora e reservas naturais foi implementada, e o nosso Código Nacional de Águas, que data de 1943, está sendo agora revisto e atualizado. O item principal das despesas governamentais para 1972 é o da educação e tecnologia, compreendendo uma tentativa decisiva de expandir escolas e universidades e aumentar nossa contribuição à pesquisa mundial; além do programa educacional normal está em ação um movimento de grande importância, com o apoio de incentivos fiscais, para erradicar o analfabetismo. Tal movimento proverá com instrução 9 milhões de adultos no período 1972-1974. 

As altas taxas de crescimento econômico que temos alcançado nestes últimos anos são indispensáveis para sustentar todas estas medidas de progresso social e ambiental. Sem desenvolvimento econômico, em condições aceleradas, não será possível compensar a desvantagem da oportunidade e do tempo perdido e encarar, com confiança e otimismo em nossas dimensões continentais, o futuro de nossos recursos humanos, de nossos recursos naturais e de nosso meio-ambiente.

Minhas palavras finais serão de sincero apreço pelo Sr Maurice Strong e sua equipe, com relação ao êxito que obtiveram ao cumprir tarefa quase impossível. Somos testemunhas da evolução do seu trabalho, que admiramos. Do caos e da dissensão, foi ele capaz de produzir um conjunto de recomendações que representa uma contribuição notável a nossos esforços de construir um mundo melhor.” 

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