Em abril de 1987, divulga-se o relatório "Our Common Future" (Nosso Futuro Comum). O Relatório Brundtland, como é conhecido, foi resultado do trabalho de uma comissão, que teve como presidentes Gro Harlem Brundtland e Mansour Khalid, daí o nome do relatório final. A comissão, composta por ONGs e cientistas do mundo inteiro, foi criada pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, em 1983. Seu trabalho durou quatro anos e envolveu a realização de discussões no mundo todo.
O relatório apresenta uma visão complexa das causas dos problemas sócio-econômicos e ecológicos da sociedade e as inter-relações entre a economia, tecnologia, sociedade e política.
Chama também atenção para uma nova postura ética, caracterizada pela responsabilidade tanto entre as gerações quanto entre os membros da sociedade atual.
Com a sua publicação dissemina-se o conceito de desenvolvimento sustentável, o qual vinha, desde os anos 1970, sendo refinado.
O conceito de desenvolvimento sustentável mundialmente conhecido é “O desenvolvimento que satisfaz as necessidade da geração presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (RELATÓRIO BRUNDTLAND, 1991:46).
Não existe um só conceito de desenvolvimento sustentável no relatório. Enfatizou-se que “o desenvolvimento sustentável é mais que crescimento. Ele exige uma mudança no teor de crescimento, a fim de torná-lo menos intensivo em matérias-primas e energia e mais eqüitativo em seu impacto. Tais medidas precisam ocorrer em todos os países, como parte de um pacote de medidas para manter a reserva de capital ecológico, melhorar a distribuição de renda e reduzir o grau de vulnerabilidade às crises econômicas (idem, ibidem, p.56)
Esse conceito tem quatro componentes-chaves, que nortearão as políticas públicas no mundo inteiro sob a capa do desenvolvimento sustentável:
1) O subdesenvolvimento e economias instáveis não podem controlar a depredação e a poluição dos recursos naturais. Diante disso, o primeiro determinante do desenvolvimento sustentável é a construção de economias "saudáveis" baseada em tecnologias que minimizem os danos ao meio ambiente.
2) dada a relação observada entre pobreza e degradação ambiental – os pobres são levados a exaurir recursos para sobreviver – as políticas formuladas para a provisão das necessidades básicas, com preocupação ambiental é crucial.
3) a sustentabilidade ambiental precisa ser implementada para prover as necessidades da presente geração sem depredar as condições de suprir as necessidades da geração futura.
4) A ampla participação da sociedade civil organizada nas decisões e implementações.
O relatório, o tempo todo, reforça os quatro componentes, como se pode ver:
“se o desenvolvimento econômico aumenta a vulnerabilidade às crises, ele é insustentável. Uma seca pode obrigar os agricultores a sacrificarem animais que seriam necessários para manter a produção nos anos seguintes. Uma queda nos preços pode levar os agricultores e outros produtores a explorarem excessivamente os recursos naturais, a fim de manter rendas. Mas pode-se reduzir a vulnerabilidade usando tecnologias que diminuam os riscos de produção, dando preferência a opções institucionais que reduzam flutuações de mercado e acumulando reservas, sobretudo de alimentos e divisas.... Mas não basta ampliar a gama das variáveis econômicas a serem consideradas. Para haver sustentabilidade, é preciso uma visão das necessidades e do bem-estar humano que incorpora variáveis não-econômicas como educação e saúde, água e ar puros e a proteção das belezas naturais. Também, é preciso eliminar as limitações dos grupos menos favorecidos, muitos dos quais vivem em áreas ecologicamente vulneráveis” (RELATÓRIO BRUNDTLAND, 1991:57).
O Relatório Brundtland tem um aspecto importante que é divulgar e reconhecer a ‘insustentabilidade’ ou inadequação econômica, social e ambiental do atual padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas.
Acho que podemos refletir aqui. Pode-se também estar colocando em plano secundário as relações de dependência existentes entre os países que fazem com que os países ditos subdesenvolvidos para gerarem renda e, inclusive, pagarem suas dívidas depredem seu meio ambiente.
Esse aspecto não é novo. Nos anos 1970, para citar um brasileiro, Celso Furtado já falava a mesma coisa:
FURTADO (1974, p.16), no livro O mito do desenvolvimento: “A literatura sobre desenvolvimento econômico do último quarto de século ... se funda na idéia que se dá por evidente, segundo a qual o desenvolvimento econômico tal qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a revolução industrial, pode ser universalizado. Mais precisamente: pretende-se que os standards de consumo da minoria da humanidade que atualmente vive nos países altamente industrializados, é acessível às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado terceiro mundo. Essa idéia constitui, seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial. Esta pretensão é impossível de ser realizada, primeiramente porque não existem recursos naturais suficientes para suportar tamanha intensidade e velocidade de produção e poluição, degradação e absorção dos detritos decorrentes da mesma. Em segundo lugar, porque este acúmulo de bens materiais realizado só foi possível com a equivalente distribuição da miséria para a grande massa da população”.
O Relatório Brundtland ainda define ou, pelo menos, descreve o nível do consumo mínimo partindo das necessidades básicas, no entanto é omisso na discussão sobre o nível máximo de consumo (de uso de energia, etc.) nos países industrializados.
O Relatório ainda enfatiza a necessidade de crescimento tanto nos países não-industrializados quanto nos países industrializados, mas para isso propõe que a superação do subdesenvolvimento no hemisfério sul só é possivel com o crescimento contínuo dos países industrializados. Com esta posição, os interesses econômicos dos países industrializados e em desenvolvimento não são afetados, por isso o relatório recebeu amplo apoio político.
O relatório apresenta uma lista de medidas a serem tomadas no nível do Estado nacional. Entre elas: a) limitação do crescimento populacional; b) garantia da alimentação a longo prazo; c) preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; d) diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis; e) aumento da produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias ecologicamente adaptadas; f) controle da urbanização selvagem e integração entre campo e cidades menores; g) as necessidades básicas devem ser satisfeitas. O Relatório Brundtland define também metas a serem realizadas no nível internacional, tendo como agentes as diversas instituições internacionais. Aí ele coloca: h) as organizações do desenvolvimento devem adotar a estratégia do desenvolvimento sustentável; i) a comunidade internacional deve proteger os ecossistemas supranacionais como a Antártica, os oceanos, o espaço; j) guerras devem ser banidas; k) a ONU deve implantar um programa de desenvolvimento sustentável.
Em comparação com as discussões dos anos 1970, ele não defende a estratégia da self-reliance nem nega a necessidade do crescimento econômico. Mantém sempre um tom diplomático, provavelmente uma das causas da sua grande aceitação depois de ser publicado. Inclusive, o nível de crítica à sociedade industrial e aos países industrializados em comparação com os documentos de Cocoyok e Dag-Hammarskjöld, diminuem bastante.
Agora dá para entender o aceite internacional quase que imediato do conceito, não?
Contudo, isso não invalida os grandes avanços que ocorreram após a publicação do relatório, inclusive, porque vários países passaram a discursar e a se comprometer, em maior ou menor grau, com as questões ambientais.
É um marco histórico e vale a pena ser lido até hoje.
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2 comentários:
"d) diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis; e) aumento da produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias ecologicamente adaptadas". Diminuição do consumo de energia e aumento da produção industrial é quase impossível tendo em vista que a produção industrial e o consumo de energia crescem juntos.
Muito interessante!
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