quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Reuniões, declarações, convenções – o que foi discutido? Onde encontrar? Parte I


Como comentei, anteriormente, a sustentabilidade ambiental e o crescimento econômico  não são temas atuais. Sob diversos enfoques (alimentos, em Malthus; raridade e abundância, em Adam Smith; externalidades, em Pigou; bens públicos puros, em Samuelson e Musgrave; direitos de propriedade, com Coase e as evoluções contemporâneas), eles vêm sendo tratados e refinados, teoricamente, para se adequar e avançar nas explicações da complexidade que nos circula.
É interessante esse processo, na teoria econômica, pois, de certa forma, ao tratar do pensamento econômico, em diversas disciplinas, a própria compreensão histórica e a ligação com o ambiente de exaustão e impactos ambientais foram se afastando da discussão de crescimento, desenvolvimento e desenvolvimento sustentável (acredito que poucos alunos de economia conheçam os conteúdos e as suas discussões). Nas questões ambientais, enveredou-se por enfoques mais pontuais como: economia verde, economia dos recursos naturais, economia do meio ambiente, economia ecológica, entre outras denominações, em que pouco se discute ou se coloca em xeque os modelos de desenvolvimento em curso.

Não me coloco contra essas abordagens, pelo contrário, elas são necessárias para a tomada de decisão na gestão pública e privada. O pensamento econômico predominante defende que, sob o sistema de livre mercado (neoliberal) e, teoricamente, com o pressuposto de concorrência pura, o sistema de preços (que é divulgado devido a perfeita informação a custo zero) assinala a escassez ou a abundância de tal forma que, via mercado ou via intervenção estatal, se faz a correção e a economia tende ao equilíbrio e os recursos naturais são sustentáveis.

Pode-se resumir que:
  
A sustentabilidade de uma economia ocorre na medida em que seu estoque de capital, que define o  fluxo de bens e serviços futuros, seja mantido pelo menos constante.
A escassez de recursos naturais, se precificada adequadamente, seria resolvida via substituição e desenvolvimento tecnológico.

Com tantos pressupostos a economia funciona perfeitamente. Contudo, o que ocorre no real?. Penso que é importante entender por que existe uma ruptura no tratamento da natureza e do meio econômico, quando um é o suporte fundamental para o outro.

Discuto a evolução da do desenvolvimento sustentável, que passo a explorar. Essa vertente, contudo, não é discutida pelo maistream econômico. Vou recuperar um pouco dessa história.

A) OS RELATÓRIOS E AS CONFERÊNCIAS: O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Até os anos 1960, era predominante a idéia de que os recursos naturais eram inesgotáveis e deviam servir à produção.
Essa forma de tratar o meio ambiente era coerente com a idéia do desenvolvimento, entendido como crescimento, ou seja, a reprodução da natureza e da economia eram vistos como infinitos e a natureza não era barreira ao crescimento. Obviamente, quando o crescimento populacional e da produção impactaram sobremaneira o meio ambiente, este deixou de ser tratado como infinito e objeto independente da reprodução do homem e da riqueza, quer dizer, se torna evidente que há limites para o crescimento econômico.
Sob a influência do relatório “Limites do crescimento” ou relatório do Clube de Roma (que tratou de 5 temas: crescimento populacional;  a produção agrícola e a disponibilidade de alimentos; devastação e exaustão dos recursos naturais; aumento da produção industrial e da poluição), publicado em 1968 teve impacto internacional e serviu/conduziu os debates travados na Conferencia de 1972.
Recuperando a história, na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, conhecido como a Conferência de Estocolmo, realizada de 5 a 15 de junho de 1972, houve as importantes constatações de que o Homem faz parte, depende e modifica o meio ambiente.  O relatório está disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972.pdf

Nessa conferência, foi questionado, pelos países desenvolvidos (e com base, inclusive, no relatório), o modelo de desenvolvimento sócio-econômico e se propôs limitações a utilização dos recursos e medidas preventivas ao crescimento populacional. Contudo, a posição do Brasil e dos países subdesenvolvidos era de que estes se deparavam com um ambiente marcado pela miséria, problemas de moradia, dívidas e almejavam se inserir no mercado internacional. Particularmente, o Brasil que vivia o Milagre Brasileiro, portanto, a defesa era de que eles possuíam também o direito de poluir, pois, os impactos ambientais estavam diretamente associados ao desenvolvimento econômico (era a defesa do crescimento – confundido com desenvolvimento- a qualquer custo). Nesse contexto, as soluções propostas na conferência, como o crescimento zero, serviriam de barreiras ao crescimento. Resultado, apesar de sua importância histórica, os princípios firmados viraram letra morta.


Seguiram-se várias outras conferências que radicalizavam na questão da exploração do meio ambiente e do homem.  Também houve vários avanços, contudo, eram pontuais frente ao surgimento do Relatório Brundtland (em homenagem a Gro Harlem Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega, que presidiu a comissão da ONU que o produziu) ou Nosso Futuro Comum. 


O relatório foi publicado, em 1987, após três anos de audiências com líderes de governo e organizações de vários países, desenvolvidos  e em desenvolvimento, sobre temas como população e recursos humanos, segurança alimentar, espécies e ecossistemas, energia, industria, urbano, transferência de tecnologias e desenvolvimento sustentável em geral.

Você pode encontrar o relatório (em inglês)  em
  <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/N8718467.pdf>

 Em português ele está acessível em:

<http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-Em-Portugues>

No relatório se constata que o modelo de crescimento econômico adotado (fordista e omisso nas questões ambientais) gerou enormes contradições. Se, por um lado, aumentou a riqueza e os bens e serviços no mundo, por outro lado, a miséria, a degradação ambiental e a poluição também aumentaram.



 O conceito de desenvolvimento sustentável é decorrente da opção do Homem por uma nova relação com o meio ambiente e a decorrente evolução da tecnologia, como afirmado no relatório.
Uma proposição aceitável, universalmente, é que o relatório tem como uma de suas premissas o reconhecimento da “insustentabilidade” da trajetória adotada e a necessidade de correção da rota do atual padrão socieconômico de desenvolvimento. Além disso, propõe a possibilidade de um novo modelo socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável.
Outra questão importante é a realidade retratada pelo relatório que apresenta as relações de dependência existentes e a conseqüente (inevitável?) deterioração ambiental decorrente do aumento das necessidades de consumo, particularmente, dos países desenvolvidos. Contraditoriamente, a solução está no contínuo crescimento dos que provocam os desequilíbrios, ou seja, os que podem crescer são os países desenvolvidos. Devido a dependência econômica existente, estes irradiariam o crescimento para os países pobres. Cabe, no plano mundial, o combate à pobreza.
Vejam, os encontros anteriores atacavam diretamente o consumo dos desenvolvidos e defendiam medidas corretivas para todos (o que gerou reação dos subdesenvolvidos) agora, o relatório não esconde a situação dos desenvolvidos, mas, a partir da visão de que a pobreza impacta o meio ambiente, a solução de combate à mesma é aceita mundialmente.
Conseqüentemente, como já afirmei anteriormente no blog, ocorre a tentativa de conciliar preservação ambiental com crescimento econômico, ou seja, uma terceira via que tenta direcionar e fugir das posições radicais dos encontros anteriores.


Enrique Leff, no livro Ecologia y capital (1994, p.19) afirma que

o discurso da sustentabilidade [sustainability] torna-se ambivalente, pois, de um lado se traduz  na internalização das condições ecológicas, que sustenta uma racionalidade ambiental [sustentable]; de outro lado, dá suporte ao processo econômico que sempre negou a natureza [sostenible]. Termina, com uma frase que considero fundamental: “Desenvolvimento Sustentável” no discurso neoliberal objetiva propiciar crescimento Sustentado: em tese, é a ecologização da produção e capitalização da natureza”.

Leff, no texto La Geopolítica de la Biodiversidad y el Desarrollo Sustentable: economización del mundo, racionalidad ambiental y reapropiación social de la naturaleza ( 2005, p.14) defende que:
 La geopolítica de la globalización se ha centrado en las falsas virtudes del mercado y de La capacidad empresarial para guiar y alcanzar los objetivos del desarrollo sostenible. Se confiere al mercado la capacidad de internalizar los costos ambientales y de absorber actividades productivas sobre el capital natural y los servicios ambientales que hasta ahora han sido campos tradicionales de apropiación y manejo de un patrimonio y bienes comunales que funcionan fuera del mercado, para transformarlos en nuevas oportunidades de negócios”.
Existem, portanto, dois discursos que se complementam (e se contradizem, ao mesmo tempo): o de que o Estado tem papéis definidos no controle dos impactos ambientais (multas, incentivos, subsídios, ou seja, controle e regulamentações) e que a lógica do mecanismo de mercado é suficientemente eficiente para se alcançar a alocação ótima de recursos, requerendo apenas mecanismos estatais reguladores e atuação educativa das ONGs.
Como já disse, a própria história econômica do século XX mostrou, tanto pelos impactos ambientais quanto pelos desequilíbrios socioeconômicos locais e mundiais que a soma das buscas de “ótimos” individuais, por parte de cada agente produtivo raramente leva a um “ótimo social” ou ao “ótimo coletivo”. Essa constatação já  foi defendida por Garrett Hardin (1968) – com base no trabalho do matemático amador William Forster Lloyd, publicado em 1833 – publicou The Tragedy of the Commons, na revista científica Science, n. 162, p.1243 a 1248. . No artigo, Hardin argumenta que o livre acesso e a demanda crescente e irrestrita de um recurso finito leva a extinção, superexploração de um recurso finito e, para evitar essa situação são necessários vários mecanismos e o planejamento. Veja o artigo em < http://www.geo.mtu.edu/~asmayer/rural_sustain/governance/Hardin%201968.pdf>

B - A RIO-92

O conceito de desenvolvimento sustentável, presente no relatório Nosso futuro Comum, foi incorporado como princípio durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,conhecida como a Cúpula da Terra de 1992, a Eco-92 ou Rio-92.

A Rio-92, convocada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 1988, teve como objetivo discutir a situação ambiental no mundo desde 1972, estabelecer mecanismos de transferência de tecnologias não-poluentes aos países subdesenvolvidos, examinar formas de incorporar critérios e regras ambientais ao processo de desenvolvimento; estabelecer um sistema de cooperação internacional para prever ameaças ambientais; prestar socorro em casos emergenciais e reavaliar o sistema de organismos da ONU voltados ao meio ambiente (FOLHA DO MEIO AMBIENTE, 1999: 05).

Foram realizadas duas conferências simultâneas:
a)   A conferência oficial, ou seja, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, que reuniu 172 países e teve a participação de 112 Chefes de Estados, razão pela qual as Nações Unidas passaram a denominá-la de Conferência de Cúpula da Terra;

      b)  O Fórum Global, que foi uma conferência paralela composta por mais de 1.300 Organizações Não-Governamentais de 108 países e participação de mais de 3000 pessoas do mundo inteiro, reunidas em 45 tendas, com o desafio de “o desafio de imaginar e propor alternativas à iniqüidade de um modo de vida global em que, por exemplo, 20% da população, habitante do Hemisfério Norte, consome 80% dos recursos planetários e agradece com a emissão de 75% da poluição ambiental (introdução do Tratado das ONGS). que aprovou a Carta da Terra  (disponível em http://www.cartadaterrabrasil.org/prt/text.html).
Dentre as 40 declarações discutidas e acordadas no Fórum Global das ONGs, tem-se, só para chamar a atenção, a Carta da Terra e a Declaração do Povo da Terra, pelo Fórum que declarava que esta era “fruto das discussões e que as deliberações oficiais escolheram negligenciar muitas das mais fundamentais causas da acelerada devastação ecológica e social do nosso planeta. Enquanto se ocupam em ajustar o sistema econômico que serve aos interesses de curto prazo de alguns poucos  às custas da maioria, a liderança por uma mudança mais fundamental recaiu, por desistência, sobre as organizações e movimentos da sociedade civil. Nós aceitamos este desafio. (vide http://www.crescer.org/glossario/doc/179.pdf)





Vou discutir isso, em momento posterior.

Na reunião oficial, foram assinadas as seguintes convenções:
1. Convenção sobre a Diversidade Biológica (disponível em http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_chm_rbbio/_arquivos/cdbport_72.pdf) ;

2. Convenção quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (disponível em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/3996.html),

3. Declaração de princípios sobre florestas – esta declaração foi tão polemica que seu nome oficial foi “Declaração oficial de princípios juridicamente não vinculativa para um consenso global sobre a gestão, conservação e desenvolvimento sustentáveis de todos os tipos de florestas”, isso porque a questão fundamental era a soberania nacional como se pode concluir ao ler os princípios 1 e 3 – (disponível em https://dspace.ist.utl.pt/bitstream/2295/39628/1/A21%20-%20PT.pdf , veja a partir da página 557)

4. A Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, que é a declaração final com 27 princípios acordados, que objetivavam estabelecer um  novo tipo de presença do homem na Terra, através da proteção dos recursos naturais e da busca do  desenvolvimento sustentável e de melhores condições de vida para todos os povos. (disponível em< http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pd>)f

Além disso, foi aprovada a Agenda 21, que estabelece diretrizes a serem  implementadas pelos governos, agências de desenvolvimento, organizações das Nações Unidas e  grupos organizados. Ela contém 4 sessões, 40 capítulos, 115 programas e aproximadamente 2500 ações a serem implementadas (disponível em (<http://www.ambiente.sp.gov.br/agenda21.php>)

(Todos esses documentos estão disponíveis em (https://dspace.ist.utl.pt/bitstream/2295/39628/1/A21%20-%20PT.pdf )

vou aprofundar um pouco mais, adiante.
Tive muita dificuldade com a formatação desta publicação. Desculpem-me se ela não ficou muito dentro dos padrões. 
Até, por enquanto